O Solar do Unhão e Lina Bo Bardi


     O solar do unhão é uma das edificações mais antigas do centro histórico de Salvador, ele servia de entreposto para descarga da produção açucareira na ´poca colonial. Já a arquiteta Lina Bo Bradi é uma importante figura do momento 'pós moderno' na arquitetura brasileira e autora do projeto de restauro do solar.

O período citado acima foi marcado pela revisão de tendências exploradas na efervescência da modernidade e a arquiteta Lina Bo Bardi trouxe a tona temas importantes que posteriormente nos anos 1980 tomariam força no cenário brasileiro.

    Entre os temas presentes na arquitetura de Lina a valorização do design popular e o entendimento da arquitetura quanto oficio podem ser vistos no projeto do Solar do Unhão, que apesar de ser da década de 1960, marca o inicio desse discurso defendido pela arquiteta.

     A até então arquiteta na Itália, Lina Bo Bardi, chega ao Brasil em 1947 onde realiza seu primeiro projeto substancialmente arquitetônico a "Casa de Vidro" no Morumbi - Rio de Janeiro (1951).

        Anos depois de seu convívio inicial com a sociedade carioca elitizada, em 1958, Lina recebe um convite para trabalhar no meio acadêmico dando aulas na Bahia. Em contato com a cultura baiana, Lina enxerga no artesanato uma expressão da cultura popular e a Arte (com A maiúsculo) 'Industrial ' (=produzida e difundida amplamente).

      Um ano após esse encontro, em 1959 no Parque Ibirapuera, Lina choca a elite durante a V Bienal Internacional com sua exposição intitulada 'Bahia' que mostrava o universo baiano com suas festas, arte popular, objetos do cotidiano expostos sejam por fotografias, pela recriação de ambientes ou pela própria presença dessas peças artesanais repletas de engenhosidade.


Exposição 'Bahia' no Parque Ibirapuera em 1959.


        É em concomitância com essa exposição que Lina é convidada para fundar e dirigir o Museu de Arte Moderna da Bahia, com seu já interesse em realizar um projeto de restauro do Solar do Unhão Lina propõe que a edificação sedie o museu, a mesma é desapropriada em 1962 para que o projeto tome forma.


            

Lina restaurando azulejos do Solar do Unhão.


        O restauro do Solar leva em conta não apenas suas características arquitetônicas originais, mas também suas características funcionais, industriais e agrícolas, assim foram conservados tanto azulejos coloniais quanto trilhos, monta cargas e guindastes.


     

Fotografia do equipamento industrial mantido e pátio.


Fotografias atuais Solar do Unhão.


        Tendo o projeto sido concebido em grande parte no canteiro de obras o que expressa o extrapolar da teoria para a prática, Lina Bo Bardi buscou adaptar tudo para receber o novo uso como museu de arte, tornando o projeto um percursor no Brasil da conservação de edificações industriais e sua adaptação a diferentes programas.


Lina em seu suposto escritório no Solar, s/ data.


        Nesse contexto Lina Bo Bardi expressa em suas aulas de "Teoria e Filosofia da Arquitetura" na Faculdade de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia sua visão acerca da profissão:


"O arquiteto é um operário qualificado que conhece o seu ofício não só prática como teórica e historicamente; e tem precisa consciência que a sua humanidade não é fim em si mesma mas se compõe, além da própria individualidade, dos outros homens e da natureza."

(BO BARDI, Lina, 1958)


      Entendendo que a arquitetura para além de uma expressão artística é um ofício, que simultaneamente envolve teoria, prática e história.

        Assim podemos ver como a arquitetura de Lina encontra no design popular soluções para a execução desse ofício. Ao olharmos para o interior do solar vemos como a arquiteta alterou o espaço interno, ao demolir o segundo piso e criar um espaço vazio para a contemplação da plasticidade do novo elemento central: a escada; feita com madeira local (o pau d'arco) e expressando a verdade desse material, que é enfatizado presente até nos encaixes dos pisos, se assemelhando a chaveta das antigas carroças de boi do sertão.


Detalhe escada.

     A minúcia desse elemento e imponência da madeira, que também é a estrutura do novo pavimento superior, conferem destaque ao interior sóbrio de paredes brancas da edificação.


Museu de Arte Moderna da Bahia - Solar do Unhão.


        Projetos como esse mostram como a arquiteta possuía um cunho ético preocupado com a humanização da profissão, estreitando a relação do arquiteto com a obra como ela explicou em depoimento à Revista Projeto:


         "Eu não tenho escritório. Trabalho resolvendo os problemas de projeto de noite, quando todo mundo dorme, quando o telefone não toca e tudo é silêncio. Depois eu monto um escritório junto com os engenheiros, os técnicos, os operários, no próprio canteiro. Assim, a vivência de uma obra é muito maior e a colaboração entre todos esses profissionais total."

(BO BARDI, Lina, 1992 - Depoimento in: Uma aula de arquitetura. Revista Projeto, n.149)






Lina Bo Bardi com mestre André na obra de restauro do Solar do Unhão.


        Como destaca o ditado popular "Há coisas que não podem ser vistas até que sejam ditas" e ainda bem que Lina Bo Bardi pode falar através de sua arquitetura sobre temas tão importantes como expressão regional, artesanato e design popular !


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